Domingo no Parque

Eleni Nizu

Compartilhavam o modo simples e alegre de levar a vida, comum àqueles que, tendo vivido ainda pouco, não se dão o luxo de amargurar os seus dias pensando no que lhes falta. Amigos, João e José mostravam, porém, temperamentos bem diferentes – enquanto este era reconhecido pelo jeito engraçado, extrovertido, àquele era atribuída a fama de não levar desaforo para casa. Contudo, nem mesmo os arruaceiros são imunes ao encantamento causado pela paixão.

Dia após dia, deitando laje e erguendo parede, João esperava, ansioso, pela menina-moça que por ali passava, todas as tardes, voltando do colégio. Juliana cruzava, displicente, a calçada da construção, alheia aos assobios e gracejos dos operários. Arrebatado pelo viço e pela graça da jovem morena, João chegou mesmo a brigar com os colegas, exigindo respeito por aquela que despertara sua paixão. Os peões, que gostavam de provocar o encrenqueiro, ficaram ainda mais surpresos quando, naquela sexta-feira, viram João descer pelo andaime e ir ao encontro de Juliana. Determinado, porém respeitoso, o rapaz abordou a estudante com um elogio singelo que a fez sorrir. Disse-lhe o quanto gostava de vê-la passar, todos os dias, por ali. Encorajado pelo olhar afável de Juliana, João convidou-a para tomar um sorvete no parque, no domingo. A menina só fazia sorrir. Combinado, então? Sim, combinado.

Também os feirantes se encantavam diante da doçura de Juliana. José, em especial, sonhava com a menina desde a primeira vez em que a vira. No entanto, a paixão que o enchia de enlevo também comprometia sua percepção da realidade – seu olhar equivocado alimentava-lhe a ilusão de que era ele o único alvo do sorriso de Juliana, que, na verdade, sorria generosa e espontaneamente para o mundo, para a vida. E, assim, José começou a fazer planos, a idealizar – sozinho – um futuro ao lado da moça que elegeu como objeto do seu amor. Abordaria, sim, Juliana, mas somente quando tivesse algo para oferecer-lhe – afinal, ele pretendia casar-se com ela. E trabalhava duro, motivado pelo sorriso da morena, que, para ele, denotava toda a reciprocidade possível.

Domingo. O céu não poderia estar mais azul. Cuidadosamente barbeado, cheirando a sabonete, João espera por Juliana. As mãos calejadas do operário transpiram, ansiosas, fazendo-o temer pela integridade da rosa vermelha que colheu ainda há pouco para ofertar à doce menina. E ela chega, sorrindo, iluminando ainda mais a tarde ensolarada. Um irreconhecível João, terno e sereno, que trocou a roda de capoeira pelo encontro com Juliana, agora elogia a moça, entrega-lhe a flor e sugere um sorvete. “Morango” – diz ela –, “que é para combinar com a cor da rosa”. Caminham, lentamente, pelo parque, quando se deparam com a roda-gigante. “Vamos?” – perguntam os dois, ao mesmo tempo.

Silenciosamente enamorado, José escolhe o parque de diversões como destino para um passeio solitário. Senta-se num banco e põe-se a olhar, absorto, para a roda-gigante. Os cabelos negros de Juliana atraem imediatamente o olhar do feirante, que sente uma vertigem inédita. Suas pernas tremem, seu estômago se contrai. Sensação de perda, vazio absoluto. A troca de sorriso entre João e Juliana é lâmina fria e impiedosa no peito de José, que finalmente se dá conta da fragilidade do amor que sente e que julgava recíproco. O rapaz acostumado a fazer graça experimenta, agora, o gosto amargo do desamor. Cego de raiva, tristeza, ciúme, frustração, José se aproxima do casal, que acaba de descer do brinquedo giratório. João ensaia um cumprimento, mas é surpreendido pelo golpe inesperado do amigo, que, enfurecido, crava uma faca no peito de Juliana. Atônito, João tenta, em vão, conter José, que investe contra o rival, rasgando-lhe o ventre com o aço ainda tinto do sangue da menina.

José desaba, exaurido, diante de suas vítimas. Traído pela própria imaginação, o rei da brincadeira descobre-se, agora, algoz de si mesmo.

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