Olha só!



Bruna Moreira

- Boa noite. Pra onde o senhor quer ir?
- Para o Hospital Central.
- Olha só!
- O quê?
- É que esses dias mesmo entrou um rapaz e eu logo achei que tinha cara de gente de novela, cara de artista. Aí ele me disse que estava querendo começar um curso desses de teatro. Aí hoje, é você. Muita coincidência!
- Eu o quê?
- Quando você entrou, eu te achei com uma cara bem ruim, de doente mesmo. E aí você me fala que está indo para o hospital. Não é impressionante? Duas vezes na mesma semana!
- Eu acho que...
- Mas eu já sei o que está acontecendo. É que semana passada tive uma conversa muito longa com uma moça, psicóloga ela. Aí fiquei assim. Só de olhar já consigo conhecer as pessoas.
- Eu não sei se...
- Mas pode me contar então. O que está acontecendo?
- Não está acontecendo nada.
- A moça me falou disso... Como é mesmo o nome? Negação. Mas pode se abrir comigo, senhor. Em momento de dificuldade é bom conversar até com gente desconhecida. Ainda mais se o problema for sério. Tem coisa que não dá para contar para parente, né?
- Não tenho nada para contar.
- Aí, tá vendo? Sabia que era grave. É terminal, não é?
- É claro que nã...
- O senhor devia ter me falado antes. Eu podia ter dirigido mais rápido. Imagina se o senhor morre aqui mesmo no meu carro? Eu não me perdoava. Mas agora a gente já chegou também. Graças a Deus.
- Deixa para lá. Quanto é que deu?
- Não vou cobrar do senhor nessa situação... Toma aqui. Fica com meu cartão. O nome é diferente mesmo. Se o senhor sobreviver, pode me ligar que eu levo o senhor de volta para casa.
- Janu... Januirio! Me escuta, Januirio! Eu sou médico. Trabalho no hospital. Vim trabalhar, entendeu? Pega aqui o dinheiro. E pode ficar com esse cartão também.
- Olha só!
- O quê?
- Quanta ironia nesse mundo, meu Deus! Um médico com doença terminal!

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