Meu Amigo Pedro

Annie Akil Pedersen

(Um conto inspirado na música de mesmo nome de Raul Seixas e Paulo Coelho)


Aquela era a segunda vez que eu participava do funeral de Pedro. Segunda e última vez, diga-se de passagem. Agora, Pedro estava realmente morto. O caixão fechado escondia o estrago que o tiro havia feito em sua cabeça.A morte é um fim inevitável para todos nós só que, para Pedro, este fim foi adiantado por ele mesmo. Resolveu explodir os miolos de uma vez por todas para dar cabo à carne que há tanto tempo só carregava sonhos esquecidos, reprimidos e violentados.

A primeira vez em que participei do funeral do meu amigo Pedro, nós ainda éramos crianças. Antes de ele morrer, costumávamos brincar à tarde, normalmente depois que o sol dava uma trégua. 

Empinávamos pipa no meio da rua, jogávamos bolinha de gude, implicávamos com as meninas do prédio e brigávamos como todo bom moleque deve fazer.Estudávamos no mesmo colégio e pegávamos a mesma condução para casa. Inseparáveis.Numa dessas voltas da escola, ao invés de corrermos para nossos apartamentos como sempre fazíamos, ficamos sentados na portaria do prédio ávidos por brincar com o ioiô que Pedro acabara de ganhar numa promoção de um refrigerante qualquer.

“Passa agora pra casa, menino!” Pulamos de susto. Não havíamos reparado na porta do elevador que acabara de se abrir. “Já disse que você tem que estudar!” – o pai de Pedro o segura pelo braço e o arrasta pelo hall de entrada. O ioiô cai no chão.“Vai fazer o que da vida desse jeito, moleque preguiçoso?”.Ele deu uma última olhada para mim com lágrimas silenciosas nos olhos e entrou no elevador sem relutar. Nascia a fórceps, naquele instante, um outro Pedro – o Pedro careta – e morria o meu amigo com tantos sonhos e desejos para vida. Guardei o ioiô no bolso e subi para casa também.

Hoje era então a segunda vez em que eu via Pedro morto. Ninguém no velório entendia como alguém com uma carreira tão brilhante ecom uma família tão linda poderia ter colocado uma arma na boca e apertado o gatilho. Eu entendia. O mistério sobre o que teria se tornado se tivesse brincado com o ioiô naquela tarde de verão havia lhe custado sua vida inteira.

Aproximei-me então do caixão, me ajoelhei e fingi estar rezando. Como se ele pudesse me ouvir, sussurrei próximo ao local que eu julgava estar sua cabeça desfigurada:

- Todos os caminhos são iguais. O que leva à glória ou à perdição. Há tantos caminhos, tantas portas, mas somente um tem coração. Pedro, onde você vai, eu também vou. Tudo acaba onde começou. 
Descanse em paz, meu amigo. Descanse agora em paz.

Coloquei o ioiô em cima do caixão e saí pela porta da capela.


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