Atrás da porta

Conto baseado na canção “Atrás da porta”, de Chico Buarque

Nanci Ricci

Olavinho entrou no quarto e olhou-me fixamente.Eram olhos de adeus, e não mais o olhar cotidiano de “Oi, cheguei”. Eu não tinha mais esperança de um dia ver esse olhar tão desejado, o do adeus, tanto que não acreditei, duvidei, estranhei. Claro que o adeus podia ter partido de mim, já que não o amava há muito tempo (aliás, nunca o amei, ou o amei a princípio, não sei, nunca sei), mas havia algo inexplicável, além de qualquer compreensão humana, que me impedia de eu mesma dar um grande adeus.

Debrucei-me no corpo dele, agarrei-me nos cabelos, nos pelos dele, no pijama, nos chinelos, nos pés, nos dele e nos da cama; abracei o tapete, murmurei bem baixo atrás da porta e arrastei-me chão afora.

Em seguida, passei a soltar impropérios, um pior do que o outro, alguns que nem mesmo eu conhecia. Maldisse tudo, a vida, a minha e a dele, ele, a família dele, as coisas dele, tudo o que houvesse no mundo e que de alguma forma a ele se referisse.

Foi aí que veio o “granfinale”, que era provar, a todo o custo, que eu era só dele, sempre havia sido dele e de mais ninguém. Que sem ele eu ia querer me matar, nada mais restaria a mim naquele momento, e bastaria ele sair por aquela porta do quarto que eu sairia pela porta torta da vida. “Te lo juro que me mataré”, disse umas vinte vezes. A minha ascendência espanhola me fazia soltar frases em castelhano no meio das discussões, não importava o tamanho e a gravidade do assunto, eu sempre tinha de soltar “Madre de Dios”, “No me vengaconesoahora”, e daí por diante, o que o irritava bastante e por isso eu continuava.

Ainda que eu estivesse sendo bem convincente, pois percebia os olhos dele meio fora de órbita, ele não deixava de tirar as roupas do armário e colocá-las em uma mala enorme.

Enquanto eu chacoalhava todo o corpo de escandalosamente chorar, deitada de bruços na cama, ele saiu arrastando aquele malão para fora do quarto e da minha vida sem dizer palavra.

Quando tive certeza de que ele havia ido embora mesmo, de verdade, comecei a dançar pela casa e a bater palmas sozinha, rindo para mim mesma.Finalmente agora ia poder ter um Labrador, já que, morando com o Olavinho , um ser alérgico a tudo, seria impossível.

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