O vestido azul



Bruno Paiva


          Por mais que Virgínia olhe, não consegue se reconhecer na imagem que vê no espelho. A quietude do quarto contrasta com o tremor das mãos da menina, que temos cabelos loiros desgrenhados e o rosto abatido, com olheiras escuras, cavadas pelas lágrimas que ameaçam cair mais uma vez. Em sua companhia só estão as bonecas e os bichos de pelúcia empoeirados, todos em cima da cama, assim como ela própria.De repente, o rosto de Virgínia se contorce de dor. Ela leva as mãos à barriga levemente inchada, escondida dentro do vestido grande. Talvez seja só mais um enjoo.  

            Um barulho fora do quarto chama sua atenção. A respiração de Virgínia fica ofegante. Uma gota de suor escorre da nuca até as costas; a julgar pelo arrepio da pele, o suor é frio como gelo. Os olhos da menina agora observam a porta velha e descascada que a separa do mundo lá fora.

            Mais alguns segundos até uma voz grave perguntar:

            –Virgínia? O que é que deu? Fala!

            Ela não diz nada. A voz presa dentro da garganta. 

            O homem insiste:

            – Virgínia! Tá me ouvindo? Abre essa porta! Agora!

            A porta é forçada, mas está trancada.Virgínia tapa os ouvidos com força. A voz do homem parece aumentar seu enjoo.

            –Virgínia, fez o teste que eu te dei? Do jeito que eu te ensinei? Fez?

            A voz do homem soa sufocada, quase sumindo no final. Virgínia olha para a pequena caixa retangular jogada aos pés da cama e o bastão de cor azul na ponta, molhado de urina. O azul do bastão lembra a cor do vestido que cobre seu corpo.

            – Virgínia, tô preocupado com você. Só quero o seu bem. Você sabe disso, né? Eu não vou te machucar! Eu cuido de você sozinho! Sua mãe não tá mais aqui. Somos só nos dois e você ainda faz isso comigo?

            A menina não responde.

           – Virgínia, fala comigo! Você parece tanto com a sua mãe. Seus olhos, sua boca... e quando põe aquele vestido azul que era dela... eu me sinto tão só, mas eu tenho você.

            A menina mantém os olhos fixos no bastão molhado. Parece não entender direito o que está acontecendo.

            O homem volta a gritar, agora mais alto:

            – Fala alguma coisa! Você sabe que a culpa é toda sua! Por que você não faz o que eu mando, Virgínia? Eu sou sozinho, trabalho o dia inteiro pra te sustentar! Por que você não tomou o remédio que eu te dei naquele dia? Responde! Fala com o seu pai!

            Mais batidas fortes na porta. Virgínia levanta da cama e vai até a janelado quarto. Olhando para fora, parece medir a altura entre o andar onde está e o chão. Há um sorriso estranho em seu rosto.



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