Papo Reto


Carlos Eduardo Simão

Aí, na moral, eu já até pensei em mudar de vida. É sério. Pensei mesmo. Tudo podia ser diferente comigo se na minha vida tudo não fosse tão diferente. Eu sei que parece sinistro, mas não é não. É papo reto. É de boa que eu falo isso. Aí essa parada de mudar de vida eu só pensei, tá ligado.

Eu nasci e fui criado aqui na favela mesmo, numa pobreza desgraçada. Nunca conheci meu pai. E até hoje eu não sei quem ele é. E é até bom não conhecer. É menos um pra eu mandar pro inferno e safar a minha barra com Deus.

Minha mãe morreu quando eu tinha dois anos. Me deixou com minha avó, que só cuidou de mim até eu crescer mais um pouco. Tipo assim, chegar a uns seis anos mais ou menos. Aí depois ela passou a me explorar feito um escravo jogava na minha cara o tempo todo que se eu comia, bebia e dava despesa pra ela que eu também podia pôr dinheiro dentro de casa. Foi aí que ela me mandou pedir dinheiro na rua, no sinal, no ponto de ônibus ou em qualquer outro lugar onde tinha um monte de gente que podia ter pena da minha cara de cachorro sem dono. E quando eu chegava em casa sem dinheiro? Ela me enfiava a porrada. Me batia até quase me matar e ainda me deixava sem comida. Aí véi na moral, minha avó era a pessoa que eu mais odiava nesse mundo.

Não manjo nada dessas parada de escola. Sei ler muito pouco e escrever menos ainda. Mal assino o meu nome. Mas ninguém me tira de otário e nem tira sarro com a minha cara. Minha avó vivia sendo chamada lá no colégio por causa do meu mau comportamento. E quando nós chegava em casa ela me batia de novo e eu ficava com mais raiva dela.

Quando fiz dez anos eu fugi da casa da minha avó. Prometi pra mim que voltava lá pra matar ela e fui morar na rua. Daí eu conheci uma galera muito sinistra e comecei a usar droga e depois eu passei a vender as parada numa boca lá da favela. Com doze anos eu já era responsa, considerado na boca e tudo. Aí eu achei que o dinheiro que eu ganhava vendendo droga (eu vendia droga pra caralho!) era pouco pra mim. Cheguei junto do traficante meu chefe e mandei a real pra ele. Pedi uma sociedade. Sabe o que o filho da puta fez? Primeiro ele riu da minha cara. Depois me deu um chute na bunda e me mandou de volta pro meu posto. E disse que era pra eu não foder as ideia dele porque ele tinha coisa melhor pra fazer. Tinha um monte assim de novinha junto com ele. Todo mundo riu da minha cara.

E Daí? Porra, maluco. Daí que o traficante meu chefe foi a segunda pessoa que eu mais odiava nesse mundo, a primeira ainda era a minha avó. O oitão que eu usava era dele, tá ligado? Juntei uma grana e comprei um berro de verdade pra mim, uma pistola muito foda. Com o cabo cromado e o caralho. Na moral véi, o berro que eu mais gosto é pistola. Comigo não tem essas treta de fuzil não. Eu faço o caralho com essa peça que tá aqui. Aí no dia que eu fui prestá conta do movimento da boca não perdi o bonde e larguei o aço pra cima dele. Dei logo uns dez tiro no meio da cara do traficante meu chefe. Tomei a boca pra mim.

Depois eu fui lá na casa da minha avó. Primeiro dei uma surra nela que quase matei a velha. Ela se mijou toda de tanta porrada. Depois dei um tiro de oitão no meio da cara. Ela era tão vagabunda e desgraçada que não pagava nem uma bala da pistola. Eu não prometi que voltava lá pra matar ela? Então. Cumpri com a minha promessa. Eu sou um homem de palavra. Comigo bagulho é doido. Nunca mais aquela velha dos inferno vai bater em ninguém. Mandei ela pra vala. E tem uma munição aqui na minha pistola guardada especialmente pro filho da puta do sujeito que se diz meu pai. Esse é outro que não me escapa. Mais cedo ou mais tarde eu topo com ele.

Taí uma parada muito doida que eu não acho certo, é matar trabalhador. Meu pai é diferente. Ele é um escroto. Aqui na favela só vacilão é que vai pra vala. Vacilão é vacilção e sangue bom é sangue bom, tá ligado? Você deve tá pensando que eu sou um sacana que vive fodendo com a vida da comunidade, né não? Ai que você se fodeu. Pensou errado na parada.  Eu vou mandar a real pra você. Seguinte: aqui na comunidade quem manda sou eu. Eu sou o dono dessa porra toda, tá ligado? Essa galera toda come aqui na minha mão. 

Quando o cara tá com o filho doente e não tem dinheiro pra comprar o remédio e ele chega pra mim e me pede de boa e na humildade, porra eu vou lá e compro. Daí ela fica me devendo. Depois eu cobro do meu jeito. Quando acaba o gás aí na casa da dona Maria e ela não tem dinheiro pra encher a botija, pra quem você acha que ela pede o dinheiro? Porra, meu irmão! Você tá ligado que essa galera precisa de quem põe eles no rumo certo. Tudo que acontece aqui na comunidade eu fico sabendo. A galera tem que me bater a fita. Eu sou a lei aqui na favela. Tem mais é que me respeitar mesmo.  

Quando eu digo que tudo podia ser diferente pra mim é por causa de quê quando eu era moleque eu via, aqui na favela, as outras criança com pai, mãe e irmão. Gente que gostava deles e que protegia eles. Mesmo vivendo numa miséria do caralho. Eu queria ter o que eles tinha, mas não tive. Aí eu virei um vida loca e botei pra fudê na moral.

Dou ao mundo o que o mundo me dá. Roubo, mato, cheiro, trepo, fumo, trafico e faço o que eu bem entendo. O que eu quero eu consigo por bem ou por mal. Pego as mulher que eu quero. Já comi um monte de novinha aqui na favela. E não tem esse negócio de policia entrar aqui no meu pedaço tocando terror na parada que eu meto bala na cara deles e boto todo mundo pra correr nessa porra!

Eu já tenho dezessete, mas tenho muita coisa ainda pra viver nessa vida. Aí anota tudo que deu pra você anotar. Grava tudo que deu pra você gravar que seu tempo acabou. Você não queria saber da historia da minha vida? Taí. Publica amanhã na primeira página do seu jornal e diz pros bacana do asfalto que quem manda aqui na favela não é governo, não. Quem manda aqui nessa porra sou eu.

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