E se?

Luciana Santos Tardioli 



E se ela não tivesse partido? Sempre me questiono como seria se ela tivesse ficado aqui, conosco. Comigo, especialmente. Como seriam nossas vidas?

Continuaríamos a nos falar por telefone todas as noites. Provavelmente, faríamos aquele café das tardes de sábado para falar sobre a semana, as tensões do meu trabalho, as dificuldades de se viver em condomínio, se tínhamos ou não planos de engravidar.

Ela continuaria sendo a minha melhor amiga, confidente, alma gêmea que me seguia em todas as horas. Fiel escudeira e conselheira que validava meus sentimentos e escolhas. Sem ela, como escolher o melhor caminho?

E se ela não tivesse partido?

Os encontros de família certamente seguiriam cheios de risadas, mas de brigas, aqueles conflitos típicos por sua atenção ou as discussões acaloradas pela divergência dos gênios. E ela ali, 
conciliadora, mas ao mesmo tempo sempre muito firme, a nos dizer como agir, que hora parar.

Ela iria comigo ao shopping, como sempre foi, para ajudar na escolha das roupas, tomar um café, ou compartilhar um almoço simples, mas que sempre tinha aquele toque especial de cumplicidade que tornava o meu mundo cheio de significado, por mais banal que fosse nosso encontro.

 Ela desfrutaria comigo meus planos por uma casa nova, meus projetos de gravidez, minha vontade de vencer na carreira depois de tantas quedas que ela tinha presenciado, meu trabalho voluntário...

Mas ela partiu.

Para que não tivesse partido e assim a nossa vida seguisse o rumo que tínhamos como feliz e certo, a doença não poderia ter se instalado e com ela toda a dor típica que assola não só ao doente, mas à família toda. Hospital, médico, agulhas, ressonâncias, esperas, dor, sangramentos, tristeza, desgraça, mais dor.

Para que ela não tivesse partido, e não ter contraído aquela doença, talvez devesse ter sido poupada de todos os desgostos, da violência em casa, dos dissabores dos filhos, da mágoa em relação ao meu pai, de tudo aquilo que foi se enraizando e criando aquele monstro que a devorava por dentro e a tirava de nós pouco a pouco.


A questão é que não somos poupados, e ela se foi. E a mim, filha, ficam as lembranças e a imaginação livre procurando respostas para a pergunta que todos fazemos mediante a morte: e se? 

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